Quem nunca teve um dia ruim no trabalho e pensou: "é hoje que eu peço demissão"? Seja qual for o motivo que tenha te levado a esse limite, provavelmente você reconsiderou, lembrou das contas para pagar, esfriou a cabeça e seguiu em frente. Ou pelo menos até que tivesse algo em vista.
Mas agora, com a maior inflação em anos, quase 12 milhões de desempregados, e até com o preço do pó de café nas alturas, tem bastante gente jogando tudo para o alto e de fato pedindo demissão.
Parece um cenário improvável para abrir mão de benefícios como FGTS, vale-refeição, plano de saúde, e da multa de rescisão. Mas o fenômeno é real, e tem sido chamado de "a Grande Renúncia".
Um levantamento feito pela empresa de recrutamento Robert Half mostrou que o maior motivo de desligamentos em 2021 foram os pedidos de demissão feitos pelos próprios funcionários. O número supera até mesmo o de demissões sem justa causa – aquelas em que é a empresa que decide mandar alguém embora.
Em 2022, o cenário não mudou muito: os meses de janeiro e fevereiro deste ano contabilizaram mais de 500 mil demissões voluntárias cada um. Em março, mais de 603 mil brasileiros pediram as contas nos seus trabalhos – um aumento de 38% em comparação com as demissões voluntárias do mesmo período em 2021.
Afinal, a pandemia da Covid-19 mudou para sempre a nossa relação com o trabalho? Quem são essas pessoas que estão pedindo demissão – e o que elas buscam com isso?
Abaixo, entenda mais sobre esse fenômeno que começou nos Estados Unidos e tem ganhado força no Brasil.
O que significa Grande Renúncia?
A expressão "Great Resignation" (ou "Grande Renúncia") foi usada pelo psicólogo e professor norte-americano Anthony Klotz para descrever a onda de pedidos de demissão voluntários nos Estados Unidos desde o início da pandemia da Covid-19.
Quando falou sobre a Grande Renúncia pela primeira vez, o professor levantou a hipótese de que o primeiro ano de pandemia levaria a "demissões reprimidas", já que as pessoas tendem a escolher a estabilidade diante de um cenário de incertezas e crise global.
Ou seja: profissionais que já estavam querendo pedir demissão de seus cargos em 2020 talvez adiassem o plano e deixassem para quando a situação estivesse mais estável.
Meses depois, os dados provaram que o professor Klotz tinha razão: os Estados Unidos viram recordes sucessivos de pedidos de demissão. Em novembro de 2021, foram 4,5 milhões de desligamentos voluntários.
Hoje, de acordo com o professor em uma entrevista para a revista Fortune, os profissionais estão lidando com o esgotamento depois de 2 anos de trabalho sob muito estresse, e reformulando seus valores e o que eles consideram realmente importante no trabalho.
Quem está pedindo demissão no Brasil?
Uma análise feita pela empresa Lagom Data com base nos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Brasil, o Caged, mostrou que as ocupações que tiveram proporcionalmente mais demissões voluntárias em 2021 foram:
- Operador de telemarketing ativo e receptivo;
- Auxiliar de logística;
- Atendente de lanchonete.
Nesse mesmo ranking ainda aparecem profissões como analista de desenvolvimento de sistemas e analista de pesquisa de mercado.
Outra descoberta é que, entre quem pediu demissão no ano passado, a maioria é composta por homens. Além disso, pessoas com até 30 anos foram as que mais tiveram participação entre os profissionais que pediram para sair.
Por que as pessoas estão pedindo demissão?
Os principais motivos que levam os profissionais a se demitirem, de acordo com a pesquisa conduzida pela empresa norte-americana McKinsey são:
1. As pessoas perceberam que têm outras opções
A pesquisa sugere que hoje existe um estigma menor associado a espaços vazios no currículo, aqueles períodos em que a pessoa não está empregada. Isso deixa as pessoas mais confortáveis em sair de um trabalho sem necessariamente emendar em outro.
Além disso, a experiência do trabalho remoto na pandemia fez com que os profissionais conseguissem procurar vagas em qualquer lugar do mundo, ampliando o leque de possibilidades na hora de achar um novo emprego.
O acesso à informação também ajuda nesse movimento. Com sites de avaliações e redes sociais voltadas pro mundo do trabalho, dá para pesquisar bem sobre uma empresa antes de se candidatar a uma vaga e, assim, fica mais fácil de se posicionar no mercado de novo. Ver colegas fazendo o mesmo também aumenta a confiança na hora de tentar um novo passo na carreira.
2. Os funcionários estão desmotivados
Os profissionais que participaram da pesquisa da McKinsey citaram como motivos para sair a experiência com líderes indiferentes, expectativas insustentáveis de desempenho e falta de plano de carreira.
Esses funcionários muitas vezes viram suas empresas dispensarem colegas em momentos de desaceleração dos negócios e hoje têm mais responsabilidades e demandas, dedicando ainda mais tempo ao trabalho para manter as operações. Só que, mesmo trabalhando mais, eles não estão vendo retorno – seja financeiro, seja de reconhecimento.
3. As pessoas estão esgotadas
Questões relacionadas à saúde mental, como a síndrome de burnout e estresse, cuidados com familiares e até reflexões sobre o que elas realmente desejam para as suas vidas tiveram um grande papel no motivo pelo qual alguns profissionais deixaram suas empresas.
Além disso, durante a pandemia, alguns mitos e incertezas que existiam sobre o trabalho remoto não se concretizaram. Não houve queda de produtividade, por exemplo.
Aliás, os estudos mostram que o aconteceu foi o oposto disso. As jornadas de trabalho ficaram mais extensas, com horários não muito bem definidos, e acabaram se espalhando para finais de semana ou além do expediente habitual.
O que a pesquisa conclui é que muitos profissionais chegaram ao final desse período exaustos. E o cansaço vai desde a falta de estrutura e ferramentas para trabalhar até questões como tarefas compartilhadas no ambiente doméstico.
O que as empresas precisam fazer para reter mais profissionais?
Segundo o mesmo estudo da McKinsey sobre a competição por talentos depois da Grande Renúncia, as empresas também precisam mudar algumas atitudes para continuar atraindo e retendo profissionais. As sugestões são:
1. Revisar remuneração e benefícios
Em muitos casos, oferecer salários maiores já não é suficiente. A BetterUp, empresa americana de capacitação profissional, mostra que 9 em cada 10 funcionários aceitariam até mesmo receber salários menores se encontrassem um trabalho mais significativo em suas vidas.
Ou seja: as empresas precisam considerar a realidade do mercado e reestruturar todo o pacote de remuneração para reter mais gente. Mas também deve ser levado em conta quais benefícios os funcionários precisam ter para encontrar o equilíbrio entre vida profissional e pessoal que, para eles, é fundamental.
2. Ouvir as pessoas que trabalham na empresa
As empresas devem investir na construção de locais de trabalho que antecipem as preocupações dos funcionários e promovam de verdade a segurança psicológica dos profissionais.
Uma forma de fazer isso é com pesquisas que servem como um termômetro da empresa e ajudam a medir a satisfação das pessoas que trabalham lá. O que está bom? O que pode ser melhorado? Quais fatores fariam com que os profissionais continuassem nas suas funções?
Com as respostas, é possível traçar planos de ação para cuidar das principais dores. Afinal, além do salário, existem muitas outras coisas em jogo quando falamos de trabalho – e a cultura da empresa e o ambiente dela contam muitos pontos.
3. Expandir o banco de talentos
Às vezes, as equipes de recrutamento se concentram em atrair e contratar candidatos que se encaixam nas definições tradicionais e cumprem uma série de pré-requisitos da vaga.
O que o estudo da McKinsey sugere é que, para competir pela força de trabalho hoje, elas devem pensar de forma mais criativa sobre os candidatos. Isso pode incluir estudantes, pessoas que estão fora do mercado de trabalho há mais tempo e ex-funcionários da empresa que desejam voltar a trabalhar lá.
Montar equipes com profissionais diversos também ajuda a criar um ambiente de trabalho onde as pessoas estejam mais satisfeitas.
Quero pedir demissão. E agora?
Pedir demissão é uma decisão que precisa ser planejada com cuidado, já que é importante não romantizar esse momento. Mas uma alternativa para quem já decidiu que quer sair do trabalho atual e ainda não tem para onde ir é, em primeiro lugar, montar uma reserva de emergência.
Outra dica que pode te ajudar antes de pedir demissão num momento de impulso é pesquisar mais vagas de emprego. Uma pesquisa feita pela Robert Half em 2021 indicou que 59% dos profissionais empregados buscam ativamente por novas oportunidades de trabalho.
Procurar por outras vagas enquanto você ainda trabalha te ajuda a avaliar as oportunidades do mercado, refletir com calma se aquela mudança faz sentido, ou se é melhor esperar uma outra proposta antes de sair de onde você está.
Para algumas pessoas, ganhar um salário mais alto é suficiente para trocar de emprego. Para outras, os benefícios e flexibilidade são mais importantes. Então, avalie seu momento de carreira e de vida, o que você valoriza, o que quer manter e o que quer mudar. E lembre-se: sua saúde mental pesa (e muito) nessa conta.
Pedir demissão é um passo importante na carreira. Significa colocar um ponto final em uma relação profissional que pode ter durado anos, te ensinado muitas coisas, rendido amigos e até sonhos para um futuro. Ou, no pior dos casos, nada disso. Se for a hora certa da Grande Renúncia para você, tudo bem. O importante é fazer essa renúncia com calma e a certeza de que você está no caminho certo.
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