As crianças precisam mais do que comida, saúde, educação e segurança. A ciência já mostrou que brincar precisa entrar na agenda dos pequenos porque é peça importante para o desenvolvimento infantil. E quando o assunto é dinheiro, as brincadeiras de criança podem, também, ser ferramenta importante na educação financeira infantil.
"Dependendo da idade, o cérebro da criança ainda está em formação e, por isso, precisamos utilizar os sentidos, como os olhos, o toque, a visão e a audição para que ela entenda alguns conceitos. E a brincadeira é fundamental nesse processo", afirma Ana Rosa Vilches, pedagoga, doutora em educação financeira e diretora da Dsop Educação Financeira, que faz formações e cria projetos de finanças em escolas.
Ou seja, usar brincadeiras para falar sobre dinheiro com as crianças não tem o objetivo de apenas deixar o aprendizado divertido e lúdico, mas tornar ele possível.
Por que falar sobre dinheiro com as crianças?
Porque a educação financeira infantil forma a base para que crianças se tornem adultos financeiramente mais saudáveis e responsáveis. E isso é possível porque os fundamentos desse aprendizado envolve trabalhar não apenas com números, mas com conceitos mais intangíveis, como a ideia de espera, tempo e valor.
"Com educação financeira desde cedo, a criança cresce entendendo que ela pode realizar o que ela quiser, desde que ela se organize para isso. E que as coisas não aparecem na casa dela com um passe de mágica."
Ana Rosa Vilches, da Dsop
"Ela se torna um adulto que sabe esperar e planejar", resume a planejadora financeira Elle Braude.
Essencialmente, esses aprendizados formam adultos menos ansiosos, que sabem que nem tudo é para ontem, mas a educação financeira infantil gera outros efeitos na idade adulta, segundo as especialistas.
Efeitos da educação financeira infantil na vida adulta
- Planejamento: tanto nas finanças como em qualquer outra área da vida, a educação financeira infantil dá os fundamentos do planejamento, a partir da criação de metas atingíveis;
- Padrão de vida possível: os adultos que aprendem a lidar com dinheiro desde cedo também entendem até onde podem ir com a renda que eles têm;
- Noção de tempo: uma das lições mais importantes a partir da educação financeira infantil é a relação entre o tempo e o dinheiro. As crianças crescem entendendo que quanto mais tempo elas têm para conquistar uma meta, menor é o esforço financeiro mensal delas;
- Menor endividamento: este é, inclusive, o efeito mais esperado pelos especialistas. E um estudo do Banco Central, realizado entre 2010 e 2019, já mostrou que ele é possível. A pesquisa identificou que jovens que tiveram aulas de educação financeira em um projeto piloto tendem a usar 9,03% menos o cheque especial e 6,75% menos o crédito rotativo do que os que não participaram do projeto.
Antes das brincadeiras de criança, pais precisam fazer lição de casa
Entender a importância de falar sobre dinheiro com os pequenos não basta. Para as especialistas, antes de criar brincadeiras de criança para introduzir conceitos financeiros, os pais precisam entender o próprio papel nessa formação e também conversar, entre eles, sobre a situação financeira da família.
"Somos os maiores provedores de crenças limitantes para os nossos filhos. Sempre falamos que não temos dinheiro para nada, reproduzimos frases como 'pensa que dinheiro cresce em árvore?' ou 'depois a gente compra'. Tudo isso afeta a forma como essa criança vai lidar com dinheiro quando adulta."
Elle Braude, planejadora financeira e mãe de trigêmeos de 7 anos de idade.
Por isso, antes de sentar com as crianças, a recomendação é que os pais comecem a criar uma comunicação mais transparente sobre dinheiro entre si. Abaixo, confira algumas recomendações de como iniciar essa conversa.
Para os pais: como falar sobre dinheiro?
- Ganhos: para quem não está acostumado, perguntar quanto o parceiro ganha pode ser bem difícil. Uma sugestão é que, em vez de verbalizar o valor, escreva ou mostre os demonstrativos de pagamentos um para o outro;
- Dívidas: a mesma estratégia vale para as dívidas. Neste caso, primeiro, é preciso ter clareza sobre elas. Se não souber, aproveite o momento para fazer esse levantamento em família. Nessa hora, mais importante do que ficar questionando como o outro fez aquela dívida, é perguntar como, juntos, vocês podem resolver a situação;
- Investimentos: caso tenha dinheiro investido, é importante que o parceiro saiba em qual ativo estão esses recursos, quanto e, principalmente, o motivo. Essa transparência ajuda nos próximos passos;
- Objetivos individuais: uma família é formada por pessoas únicas, que têm desejos e necessidades distintas. E essas diferenças precisam ser levadas em conta no planejamento financeiro para que ninguém sinta suas vontades anuladas. Por isso, deixe claro quais são seus objetivos individuais. Aqui, também, é importante não julgar o sonho do outro. As metas do seu parceiro não precisam ser as suas metas. Manter a individualidade dentro de uma relação é saudável e recomendável;
- Metas em família: quais são os objetivos da família? Eles precisam ser levados em conta e são eles que exigirão um esforço coletivo.
Preciso ter uma vida financeira perfeita para conversar com os meus filhos sobre dinheiro?
Não. Até porque, dependendo da idade do pequeno, a ideia não é falar sobre a situação financeira da família em detalhes, mas criar brincadeiras de criança para abordar as ideias por trás de alguns conceitos que estão no dia a dia da casa. Além disso, se a família tem dívidas ou está numa situação financeira mais difícil, é possível ensinar a partir dos próprios erros financeiros – desde que os pais tenham clareza de quais são os equívocos.
Apesar disso, as especialistas Ana Rosa Vilches e Elle Braude reforçam que as crianças absorvem muito do que veem. Por isso, aproveitar esse momento para fazer mudanças na vida financeira da família pode fazer a diferença no aprendizado dos pequenos.
Vilches, da Dsop Educação Financeira, conta que já identificaram, entre as mais de 2 mil escolas onde trabalham, que há uma relação entre o comportamento das crianças e a fatura do cartão de crédito dos pais, por exemplo.
"Percebemos que entre os dias 5 e 10, de todo mês, as crianças estavam mais elétricas, mais impacientes e brigavam muito. Investigamos e descobrimos que, dentre outras coisas, era o período que chegava a fatura do cartão dos pais, que discutiam sobre os gastos. A criança vê essas discussões e como ainda não sabe lidar com algumas emoções, ela se expressa do jeito que os pais se expressam."
Ana Rosa Vilches, da Dsop
Quais conceitos financeiros podem ser trabalhados com as crianças?
Segundo as especialistas, é possível ensinar às crianças conceitos que estejam no dia a dia delas e que sejam tangíveis. Não existe um consenso sobre a idade a partir da qual é possível trabalhar a educação financeira infantil. A própria OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) recomenda que esse processo deve começar o mais cedo possível e evolua com a criança.
"A abordagem precisa respeitar a idade e a fase da criança. Antes mesmo de trabalhar conceitos financeiros, por exemplo, é importante trabalhar a espera, o tempo das coisas: o momento certo de ganhar um brinquedo, de brincar, a hora do banho. Quando a criança entra na alfabetização, a gente consegue introduzir a questão das moedas, dos números. A partir do momento que ela aprende a somar, a contar, é possível avançar", afirma Braude.
Vilches afirma que é possível trabalhar ideias de trocas e metas com crianças a partir de 2 anos, evoluindo para conceitos como necessidade e desejo, compras, valor e hábito de poupar à medida que ela vai se desenvolvendo. A partir dos 12 anos, já é possível, com a ajuda da escola, ensinar sobre crédito, investimentos e juros.
Brincadeiras de criança: 7 ideias para fazer em casa
Para os pais que querem ter um tempo de qualidade com os filhos e aproveitar para introduzir conceitos sobre dinheiro e economia de forma lúdica, confira a seguir algumas ideias de brincadeiras de criança para fazer em casa – elas podem ser feitas com pequenos com idade entre 3 a 9 anos. Acima disso, já é possível ensinar esses sobre esses assuntos a partir de conversas mais diretas.
Vale reforçar também que o objetivo não é parar a brincadeira ou verbalizar "olha, isso é tal e tal conceito". Essas brincadeiras têm o objetivo de trabalhar as ideias por trás desses conceitos. Dependendo da idade, a criança não sabe que você está falando sobre metas, mas ao fazer atividades que envolvam uma recompensa, o sentido disso é trabalhado e compreendido pela criança.
1. Para falar sobre metas, desenhe
Estabelecer metas é a base da educação financeira. E é possível trabalhar esse tema com as crianças a partir de desenhos. Estimule os pequenos a colocar no papel aquilo que eles mais querem: pode ser um brinquedo, passear em algum lugar ou estar com alguém, por exemplo.
Com os desenhos prontos, faça uma "exposição" numa parede, mas organize os desenhos das crianças em forma de escada. A folha que estiver mais próximo dos seus filhos e na altura deles são das metas de curto prazo, e aqueles mais distantes e mais altos são os de médio e longo prazo.
Agora, brinque com a criança de "alcançar" o desenho. À medida que ela pega um papel, ajude-a a realizar aquilo que está desenhado. Por exemplo: de todos os desenhos feitos por ela, aquele mais fácil de realizar é o passeio com o cachorrinho da família. Então, assim que ela pegar esse desenho, já se organizem para esse passeio.
Depois, faça com que ela tente alcançar o desenho seguinte, e assim por diante. Essa brincadeira pode ser feita ao longo de um dia ou final de semana, ou ao longo de algumas semanas. Não tenha pressa. A ideia é que a criança perceba que justamente aqueles desenhos que estão mais próximos dela são os mais fáceis de pegar e de realizar. E que os mais altos são os mais difíceis de pegar e, portanto, também de realizar.
Nesse primeiro momento, quem define quais são as metas mais difíceis ou simples de realizar são os pais, mas dependendo da idade da criança, já é possível estimular que ela faça essa distinção.
2. Que tal uma gincana para falar sobre planejamento e noção do tempo?
No planejamento financeiro, o tempo é chave para a realização dos objetivos. Para falar sobre isso com as crianças, sem ser literal, crie uma gincana em família. Escreva em um painel (pode ser uma lousa) algumas atividades e, para cada uma delas, estabeleça uma quantidade de pontos. A ideia desse jogo é que ele aconteça, pelo menos, ao longo de dois dias a uma semana. O objetivo é trabalhar a espera.
Cada pessoa da família terá diferentes tarefas com pontuações diferentes, mas a soma de pontos de cada um é igual. Cada participante realiza as atividades listadas ao longo do período estabelecido para o fim do jogo (uma semana, por exemplo). Para essa brincadeira, é preciso que alguém da família atue como um juiz e avalie se a atividade realmente foi cumprida. Vence o jogo quem tiver mais pontos ao fim do período.
Nessa brincadeira, é importante que as atividades sejam um misto de tarefas divertidas e outras nem tanto, como por exemplo: pular corda por um minuto, limpar o xixi do cachorro, tirar o lixo da cozinha, acertar a bola na cesta de basquete. Além disso, é preciso distribuir essas atividades ao longo do período do jogo.
Dependendo da idade das crianças envolvidas, é importante garantir pequenas recompensas ao fim de cada atividade, principalmente se elas não forem tão divertidas. Pode ser um doce ou até moedinhas para um cofrinho, por exemplo. A recompensa final precisa ser algo que a criança queira muito, como um dia no parque, por exemplo.
As tarefas não podem estar relacionadas à rotina das crianças, como lição da escola, arrumar o quarto, tomar banho etc. Esse tipo de atividade, segundo as especialistas, precisam ser entendidas pelas crianças como algo recorrente e não podem ser feitas mediante recompensa.
3. De onde vem o dinheiro? A brincadeira das profissões explica
Dependendo da idade das crianças, é difícil explicar de onde vem o dinheiro que os pais usam para comprar o que elas querem. Uma maneira de inserir esse conceito na realidade delas é a velha brincadeira das profissões. Crie fantasias de profissões que são facilmente identificadas pelas crianças, como bombeiro, médico, professor.
Depois, simule atividades dessas profissões com eles. Para cada tarefa concluída, recompense com moedinhas: podem ser verdadeiras ou de chocolate, dependendo da idade da criança. Por exemplo: a cada "incêndio" que sua filha vestida de bombeira "apagar", ela recebe esse pagamento.
À medida que fizer isso, faça um paralelo com você e o seu salário. Pode ser explicando que, assim como você, ela fez um ótimo trabalho e, por causa disso, vai receber o salário dela. E com esse salário ela pode comprar as coisas que quer. Com essa brincadeira de criança simples, elas começam a entender que o dinheiro dos pais chegam a partir do trabalho deles.
4. Brincar de ir às compras ajuda a entender sobre "gastar mais do que ganha" e consumo
Brincar de mercadinho é uma oportunidade de explicar que não é possível gastar mais do que se ganha, e inserir o conceito de consumo. Essa brincadeira funciona melhor com crianças que já têm familiaridade com números. Pegue alguns itens da própria casa e os organize na sala, imitando um mercado. Coloque preços em cada produto.
Dê para as crianças uma quantidade de notas ou moedas de brinquedo, e diga que elas podem comprar o que elas quiserem com aquele dinheiro de mentira. Ao finalizar suas compras, os pais fazem as contas para saber se as crianças podem mesmo comprar o que pegaram. Caso o dinheiro não seja suficiente para tudo, é o momento de fazê-las escolher o que querem levar e o que querem deixar para trás.
5. Para ensinar a poupar, construa o seu próprio cofrinho
O bom e velho cofrinho é um aliado na hora de ensinar as crianças sobre o hábito de poupar. Contudo, em vez de comprar um pronto, é mais divertido criar um cofrinho personalizado, a partir de materiais simples, da própria casa, como uma latinha, uma garrafa pet e até caixas de sabão em pó.
Estimule a criatividade dos seus filhos a partir de materiais cada vez mais inusitados, como unir diversos rolos de papel higiênico com fita adesiva de maneira a criar um cofrinho com o formato de um cachorro, por exemplo. Use tintas para finalizar a criação e coloque as primeiras moedas.
6. Leilão de brinquedos para entender sobre valor e preço
Para falar sobre a diferença entre valor e preço, e ainda inserir a ideia de consumo consciente, é possível brincar de leilão. Para essa brincadeira ser divertida, ela exige a participação de, pelo menos, duas crianças que já precisam ter alguma noção sobre números. Dê a elas uma quantidade igual de dinheiro de brinquedo e, com a ajuda delas, escolha alguns brinquedos para serem doados.
Enfileire os brinquedos na frente delas e diga que elas podem recuperar alguns, se pagarem por eles com o dinheiro que receberam. Para cada brinquedo, os pais exigem um valor inicial de lance. E as crianças precisam dar lances maiores, como num leilão, para arrematar o item.
A todo momento, os pais precisam lembrar as crianças sobre o valor que elas têm em mãos e para que elas arrematem aquele brinquedo que elas realmente querem de volta. Ou seja, não adianta dar lances e gastar dinheiro com aquilo que elas não querem, que não têm mais valor para elas. Ao fazer isso, os pais já começam a trabalhar a ideia de preço e de valor.
7. Uma torre de juros compostos
Juros compostos é um conceito difícil de entender até para muitos adultos, mas é possível já trabalhar a ideia por trás dele com crianças a partir dos 5 anos.
Funciona assim: pegue blocos de montar, como aqueles de madeira, e construa uma base. Depois, diga para a criança que para cada peça que ela conseguir equilibrar na base, os pais precisam colocar mais duas. E para cada duas peças, os pais colocam quatro, e para cada quatro peças seguidas, os pais colocam oito e assim por diante. É possível, e mais divertido, brincar dessa forma com latinhas.
Com essa brincadeira simples, a criança entende que é possível construir a torre mais rápido a partir das peças que ela conseguir equilibrar. Ou seja, quanto mais peças seguidas ela equilibrar, mais peças os pais terão que montar.
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