Quando o assunto é cuidar de dinheiro, ainda falta confiança para muitas mulheres.
É isso que apontam pesquisas (brasileiras e globais) que investigam por que tantas mulheres entregam o controle financeiro na mão de seus parceiros. E essa falta de confiança é generalizada entre todas as faixas etárias, graus de escolaridade e classes sociais.
Cada vez mais, elas vêm tomando (ou retomando) o controle de suas finanças, mas fazer isso não é uma tarefa fácil.Começa pelo fato de que, apesar de quase metade dos lares brasileiros serem chefiados por mulheres, elas continuam recebendo menos que os homens: de acordo com o IBGE, elas ganham, em média, 20,5% a menos para exercer as mesmas funções. Um homem branco chega a receber 159% a mais que uma mulher negra com a mesma formação, segundo o Instituto Insper. Por que isso? Olhar um pouco para trás ajuda a começar a entender.
Uma história controlada por homens
Foi apenas na década de 1960 que mulheres passaram a ter o direito a uma conta bancária independente do pai ou marido. Até 1962, mulheres casadas precisavam da autorização de seus maridos para trabalhar fora. Essa obrigatoriedade caiu com o Estatuto das Mulheres Casadas. Mas, assim como em tantos outros casos, mudar a lei não significa mudar a cultura. Para Laís Nicolodi, mestre em psicologia comportamental pela Universidade de São Paulo (USP), esse histórico é um ponto central na hora de entender por que tantas mulheres (mesmo as que ganham seu próprio dinheiro) entregam a responsabilidade financeira nas mãos de seus parceiros. “O nosso modelo de sociedade sempre teve o homem como chefe. E é o chefe quem está autorizado a gerir as finanças”, diz ela.“Quando a mulher entrou no mercado de trabalho, ela passou a desempenhar uma jornada tripla – trabalho, afazeres domésticos e cuidados com os filhos.”“Ou seja, você tem uma mulher que já está sobrecarregada e, além de tudo, cresceu aprendendo que quem cuida de dinheiro é homem. Acaba sendo mais natural para ela deixar as decisões financeiras na mão do marido, até entregar o salário na mão dele”, explica. A carga histórica é um dos fatores que reforçam a ideia de que dinheiro não é coisa de mulher.
O papel da educação e de exemplos
A ausência de referências femininas, segundo Laís, também alimenta esse problema. “Os homens são ministros da economia, analistas financeiros, gestores em cargos que envolvem dinheiro. Mais mulheres estão ocupando esses espaços, mas elas ainda são minoria”. “E essa falta de referências vem da criação e educação”, afirma a psicóloga.“Existem pesquisas que mostram que professores das ciências exatas tendem a dar mais espaço para os meninos responderem na sala de aula. Eles também atribuem notas mais altas para eles quando vêem o nome dos alunos na prova; em testes cegos, isso não acontece.”O papel da mulher como cuidadora e não administradora se manifesta inclusive quando os homens não tomam boas decisões com o dinheiro. Era o caso da Ana Alice, 48 anos, de Duque de Caxias (RJ). “Meu ex-marido bebia, gastava muito”, conta ela. “Quando eu trabalhava como operadora de caixa em um mercado, acabava gastando quase tudo no vale pra comprar comida. Se eu chegasse no fim do mês com R$ 100 pra receber de salário, era muito.” Um dia, Ana Alice pediu dinheiro ao marido para comprar carne para a marmita que estava preparando para ele. Eles discutiram e ele disse que ela “só sabia pedir.” “Naquele dia eu pensei que não queria mais viver daquele jeito. Eu queria ter o meu dinheiro”, conta ela. Algum tempo depois, o casal se separou. “Foi um alívio. Hoje eu trabalho, ganho meu dinheiro, banco minhas contas. Se eu quiser fazer algo com minhas filhas, comer uma pizza, eu vou lá e pago. Se minha filha precisar de ajuda pra comprar algo, eu vou separando pra dar pra ela. Não dependo de mais ninguém.”
Dinheiro, liberdade e escolhas
Essa foi uma das lições que Ana Alice aprendeu. “É muito bom a gente se sentir livre, independente. Fazer com nosso dinheiro o que a gente acha que tem que fazer”, diz ela. O controle financeiro também abriu portas para Odisseia, de 57 anos, que mora em Taubaté (SP). Até os filhos virarem adultos, quem trazia a renda para casa era o marido. “Quando eles cresceram, eu resolvi trabalhar fora. Montei uma banca na feira e vendo ovos orgânicos, queijos, coisas que a gente produz no nosso sítio”, conta.“Antes era meu marido que administrava o orçamento em casa, qualquer coisa que eu quisesse eu precisava pedir pra ele. Aí eu comecei a ganhar meu dinheiro e poder fazer as coisas por conta própria”, diz ela.“Deixei de ser dependente dele, anoto tudo que eu gasto e acompanho pelo aplicativo. Comecei até a aceitar Pix na banca. Administrar meu dinheiro foi a melhor mudança que eu já tive na minha vida.” A troca entre os casais é benéfica para os dois. Uma pesquisa do banco UBS revelou que, quando as duas pessoas administram as finanças, a tendência é que os erros financeiros caiam drasticamente. Para Odisseia, a mudança foi muito benéfica: “A gente agora fala mais de dinheiro, toma decisões, faz planos juntos.”
Quando o controle vira abuso
A psicóloga explica que, em casos mais extremos, o controle sobre as finanças pode gerar algo chamado de violência patrimonial, um dos tipos de violência contra a mulher listados na Lei Maria da Penha. “Você vê casais em que o homem controla a mulher a partir do controle sobre o dinheiro dela”, explica Laís. “Ele esconde o cartão, finge que o dinheiro acabou, impede ela de ter autonomia”. Os impactos que esse tipo de abuso pode gerar são variados, mas afetam profundamente a autoestima e a saúde mental das mulheres. “Mas a gente nunca pode generalizar e colocar qualquer caso de controle financeiro como uma situação de relacionamento abusivo. Cada pessoa tem a sua história e essas histórias ajudam a explicar as escolhas que ela toma”, diz ela. Ou seja: delegar as decisões financeiras a um parceiro não necessariamente configura um abuso. Mas é essencial que as mulheres estejam bem informadas sobre por que estão fazendo aquela escolha.A importância de falar sobre dinheiro
O que é liberdade para tomar conta das próprias finanças? “O grau de liberdade de uma pessoa tem a ver com ela ter a possibilidade e as condições de escolher”, explica Laís. “Ela pode continuar fazendo aquela escolha, mas a opção existe.”“Podem existir, sim, mulheres que preferem colocar o controle financeiro na mão do parceiro. Mas é importante entender o que está por trás dessa preferência”, continua ela.“O grande problema é que, como padrão, isso não é uma escolha – é naturalizado que a mulher não deve gerir esse dinheiro. E no momento em que isso é naturalizado, a liberdade de escolha está sendo sufocada.” Existem muitas barreiras sociais e econômicas que impedem que boa parte da população tenha acesso ao mínimo necessário para pagar as contas. Essas barreiras não afetam apenas mulheres, mas elas são, sim, um grupo extremamente impactado. A pandemia agravou ainda mais o abismo. Ela prejudicou todos os brasileiros, mas a situação das mulheres piorou muito. Segundo o IBGE, atualmente mais da metade das brasileiras estão fora da força de trabalho. Falar mais sobre dinheiro é importante. “Quando uma mulher troca informações com outras, quando ela vê na TV ou entre suas amigas dinâmicas diferentes da dela, ela tem mais liberdade para refletir sobre suas escolhas”, afirma Laís.
A dificuldade de conversar sobre isso ainda é enorme: um estudo do banco de investimentos Merrill Lynch revelou que 61% das mulheres prefere falar sobre a própria morte do que sobre dinheiro.Essa é uma barreira que precisa ser rompida. Falar sobre dinheiro não pode ser tabu e mulheres têm um papel central em ajudar umas às outras. Como disse Michelle Obama, em seu livro Minha História: “Temos que encontrar uma maneira de continuar a elevar outras mulheres em nosso mundo e em nossas vidas, o máximo possível,” Este conteúdo faz parte da missão do Nubank de devolver às pessoas o controle sobre a sua vida financeira. Ainda não conhece o Nubank? Saiba mais sobre nossos produtos e a nossa história.